5/28/2015

'“Às Vezes, Céu” me ajudou a ser quem eu sou hoje'


















Dez anos atrás, ouvi alguém me dizer, bem alto e na cara, que “lembranças não  valem nada”. Com um atraso de uns tantos bons anos, eu estava começando a sair da meninice para (tentar) virar adulto, e por uma série de acontecimentos espiralados demais para relatar aqui, acabei indo parar em Curitiba, onde tomei esse e outros tapas na cara. Era janeiro de 2005.

Agora é maio de 2015. Alguns planos daquela época deram certo, outros nem passaram perto disso, mas o disco continua ali. Música tem disso: você vai embora e ela fica, e no seu formato físico ela é praticamente uma fotografia: do artista que a gravou e da pessoa que você era quando a escutou.

Não dá para falar do que é “Às Vezes, Céu” hoje sem eu falar sobre o que sobrou de mim. Mas para isso, eu tenho que recolher algumas lembranças, e justamente essas, a canção de abertura do disco me ensinou, não valem nada. Mas fucemos no lixo mesmo assim.
Eu era um nostálgico crônico, enfermo da vontade de congelar o momento bom e, claro, não conseguindo, acabava por viver preso ao passado. Era mais medo do que vinha pela frente do que apreço pelo que já tinha passado.

Talvez por isso, passei muito tempo depois daquele janeiro pensando no que aquela canção significava. Os gritos do Ivan naquele que é provavelmente seu vocal mais sincero e a hipnose daquele trecho instrumental (é coisa do Ramiro aquilo?) me intimavam a levar aquela musica para dentro de mim e me questionar. E dentro de mim, desculpem a pretensão, estava o futuro, ou melhor, um presente que eu ainda não era capaz de viver, e que também estava anunciado no disco, em letras como “Dizem”, “Dias Tortos” e, mais que todas, “Horizontes”. Um presente de abandonar-se a mim mesmo e deixar que as veleidades convivessem mais em paz com as decisões racionais, que significasse ir para frente desde que eu pudesse, em algum momento, voltar para casa.

A casa, desde aquele janeiro, era Curitiba, uma cidade onde só viria a residir anos depois, e não por mais que alguns meses. Mas já era meu lar, só estava à espera que eu reconhecesse isso. Se assim não fosse, como explicar eu andar pelo Centro encontrando o que eu queria e precisava sem jamais ter estado lá? Como justificar a familiaridade que eu sentia num passeio a pé pela Mariano Torres ou numa volta de carro pela Mateus Leme, das Mercês ao Abranches? Reconhecer-me na beleza que teimava em ser suja ali no Passeio Público, engolir a beleza da solidão num copo de chopp preto na XV ou celebrar o encontro não-planejado com um amigo no Largo da Ordem – essa era minha Curitiba. Minha casa.

E só ali podia ter nascido “Às Vezes, Céu” – aliás, título que descreve com exatidão a experiência musical d’OAEOZ ao vivo e a vida diária na capital das araucárias. Porque, descobri logo, OAEOZ era muito melhor ao vivo, mesmo ensaiando tão pouco. Porque o ouvido foi ficando mais exigente, e entendendo que a mixagem do disco não era boa (embora fosse, sim, a melhor possível). Porque Curitiba podia te dar alguns dias bem filhos-da-puta, indiferente ao amor que você tivesse por ela. Porque ia ter horas que aquela música ia mexer em coisas que iam doer. Então, estava claro que tudo aquilo – a cidade, as canções, a solidão – nem sempre seria o paraíso. Mas às vezes...

Essas vezes se tornaram mais frequentes, conforme fui criando mais meios de ir para aquela Curitiba física e também para aquele “dentro de mim” do qual eu falava lá atrás. A essas tantas, fui ouvindo menos o disco. Muita música veio depois dele, obviamente, inclusive feita pelos integrantes da banda em outros projetos, alguns dos quais tiveram seu impacto em mim.

Mas não é por isso que eu ouvia menos o começo disso tudo. É que eu fui me distanciando cada vez mais do eu que ouviu aquele disco em 2005 e a foto foi se tornando incômoda. Exatamente por isso, cada audição se tornou mais potente. E cada nova sessão era algo de parar e escutar. Jamais voltei a colocar aquele disco como “pano de fundo” para o que quer que fosse.

“Às Vezes, Céu” me ensinou a não olhar para o passado. De verdade. Aprende-se muito com um disco quando ele vem na hora certa. Ensinou-me sobre música também – não só o lado emocional de uma canção, mas composição, letra, arranjo. Pensei e conversei e pesquisei muito sobre esse disco (e não acho que o Ivan e o Carlão se lembrem de metade desses papos), porque eu precisava entendê-lo. Saber por que o álbum batia tanto, por que suas imperfeições eram mais atraentes que seus (muitos) acertos.

Não tenho uma resposta acadêmica para nada disso, não, mas tudo resultou numa resposta, que agora é parte indissociável do meu presente. Ou seja, um jeito enrolado de dizer que “Às Vezes, Céu” me ajudou a ser quem eu sou hoje. E olha, eu gosto, viu? Porque hoje “a vida é fácil” mesmo eu ainda sendo complicado, e já não me enrosco mais tanto em dias tortos (melhor, por vezes sou eu quem entorto os dias). E porque hoje “o peso que carrego nos ombros é só bagagem”.

É só bagagem, sim. E lá, entulhado entre umas camisetas de banda, camisas sociais, livros bacanas, fotos de gente querida e um ou outro objeto inominável, tem aquele exemplar meio amassado de “Às Vezes, Céu”.

Leonardo Vinhas

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