1/14/2014

Manoel Coelho

Entrevista com o arquiteto e urbanista, feita pelo Ivan para o jornal Bem Paraná.
http://www.bemparana.com.br/noticia/293115/curitiba-esta-parada-ja-faz-tempo-diz-o-arquiteto-manoel-coelho


Criador da folhinha do programa “Lixo que não é lixo”, que marcou época na terceira administração de Jaime Lerner na prefeitura de Curitiba, ao introduzir o hábito de reciclagem entre a população da cidade, o arquiteto Manoel Coelho já poderia considerar ter seu nome inscrito na história da capital paranaense só por isso. Mas ele fez muito mais: desenhou o mobiliário urbano da cidade, participou da elaboração do plano diretor que iniciou uma revolução no planejamento, levando Curitiba a se tornar conhecida mundialmente pela excelência de seu urbanismo. 
Passadas cinco décadas desde que ele entrou na primeira turma de arquitetura da Universidade Federal do Paraná, Coelho diz com indisfarçável tristeza que Curitiba acabou ficando para trás. E afirma que isso aconteceu fundamentalmente porque as últimas administrações municipais trocaram o compromisso com a evolução do planejamento urbano de longo prazo pela preocupação imediatista com a próxima eleição. Em entrevista ao Bem Paraná, o arquiteto explica porque chegamos até a essa situação, e como podemos sair dela.
Bem Paraná - Antes de cursar arquitetura, o senhor tentou engenharia e chegou a estudar artes plásticas. O que o levou a optar pela arquitetura?
Manoel Coelho – Essa escolha foi lá em 62, quando se começava a falar de arquitetura por causa de Brasília. Eu vim para cá para fazer engenharia, não passei no primeiro vestibular. Fiz Belas Artes, fiquei por aí porque eu gostava de desenhar. E levei sorte, porque em 62 abriu arquitetura na escola de Engenharia, que se desdobrou em quatro cursos. Eu senti que aquilo era o que eu queria, fiz o vestibular, passei e entrei na primeira turma. Fiz o curso e já como estagiário fui estagiar no escritório do Jaime Lerner. Já entrou Curitiba, plano diretor novo. Daí foi assim uma coisa que cada vez mais foi se consagrando para mim. Uma coisa que eu gosto muito de fazer. Atendo a todas as faces da atuação de um arquiteto, desde um ponto de ônibus, uma lixeira no projeto de mobiliário urbano até grandes edifícios, complexos como a Universidade Católica, como a Universidade Positivo.
BP – O senhor tem alguma criação preferida?
Coelho – As criações são como filhos. E filhos a gente gosta de todos e não tem um preferido. Em arquitetura é mais ou menos parecido. Talvez dê para diferenciar e ressaltar um ou outro projeto quando ele atinge mais gente. Acho que por isso posso destacar talvez na área de designer o trabalho que eu fiz na terceira gestão do Lerner, a folhinha (do programa “Lixo que não é lixo”), aquele símbolo, que depois ficou por quatro gestões, quase vinte anos promovendo o diálogo entre a administração pública e a população. Com dignidade, um símbolo promovendo a comunicação. Não fazendo propaganda, não aquele marketing que a gente vê hoje. Uma coisa sincera. Um símbolo que com o tempo eu ou o Jaime já não tratávamos como algo nosso, mas uma coisa que a população entendeu, gostou e passou a usar. Isso na área de designer. Na área de arquitetura têm os campus da PUC e do Positivo. Fiz também o campus de Londrina, Toledo, São José dos Pinhais, no Litoral Guaraqueçaba. Esse tipo de obra também você está atingindo vinte mil, trinta mil pessoas, entre alunos, professores e funcionários. Quanto mais gente atender melhor.
BP - Quando se fala em arquitetura no Brasil sempre vem a figura de Niemeyer. Mas há setores da crítica - que apesar de reconhecer a importância dele - apontam que a arquitetura brasileira ficou um pouco à sombra do Niemeyer. O que o senhor acha?
Coelho – Eu acho que ele, na verdade, foi o grande arquiteto brasileiro. Dá para dizer que quase um gênio. Dá para dizer que três brasileiros levaram o nome do nosso País, representaram o Brasil para o mundo: o Niemeyer na arquitetura; o Pelé no futebol e o Tom Jobim na música. Ele (Niemeyer) é muito criticado pelas pessoas que enxergam a obra de arquitetura como uma coisa que tem que funcionar, o aspecto de função. Quando uma obra de arquitetura tem vários componentes: os aspectos técnicos, culturais, até políticos do momento. E artísticos. O que o Niemeyer sempre fala é que todas as obras dele são gestos de criação. Ele quer causar surpresa, impacto. Eu acho isso muito válido. Porque para se conseguir parece muito simples, mas não é. E o curioso das obras dele é essa empatia com a população. Aqui em Curitiba, o Museu “do Olho”. Eu moro ali perto, passo todo dia, três horas da manhã tem gente fotografando. Se ele privilegia algum aspecto dessas funções da arquitetura que eu falei é um problema dele.
Urbanismo
“Ippuc foi praticamente esquecido”
Bem Paraná - Curitiba se tornou um ícone do urbanismo brasileiro e o senhor participou desse processo. Mas pra quem vive aqui nos últimos vinte anos a sensação é de estagnação em relação ao planejamento urbano. O senhor sente isso?
Manoel Coelho – Eu sinto. Eu acho que Curitiba, a partir dos anos 70/71, que foi aquela primeira gestão do Jaime (Lerner). Na verdade foi um pouco antes, com a criação de um plano diretor novo lá em 65. Então ela deu um salto enorme em termos de evolução urbana. Mas nos últimos tempos, eu diria, quinze, vinte anos, mas notadamente nos últimos oito, dez anos, hoje qualquer curitibano sente isso. A falta de continuidade do planejamento. A decadência do grande ícone dessa evolução que foi o transporte urbano. Nosso sistema que foi modelo, levado para 80 cidades do mundo. Eu vi isso no México, em Bogotá (Colômbia), em várias cidades. E nas últimas administrações simplesmente pararam o processo de evolução desse sistema. Tanto que cidades como Bogotá vieram aqui, estudaram esse sistema e levaram para lá, só que eles aperfeiçoaram. E Curitiba não fez isso. Agora que estão fazendo obras (de desalinhamento) para que os ônibus ultrapassem os outros na estação. Se você notar em todas as áreas, eu ando todo dia no parque São Lourenço, eu moro ali perto, eu vejo o mato crescendo, os equipamentos, as churrasqueiras que tem no São Lourenço, no parque Barigui, que é o primeiro parque, de 72, são as mesmas, o mesmo número. A população aumenta e eles não aumentam a capacidade. E você vê isso como um todo. Talvez o que reúna todas as razões para isso é você notar por um tempo o desaparecimento, praticamente, do Ippuc, o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano, que durante aquele período da implantação da revolução urbana de Curitiba, foi o órgão que coordenou e planejou todo esse processo. Onde o prefeito ia praticamente todo dia com sua equipe de arquitetos e engenheiros e cuidava da cidade diariamente. De um tempo para cá o Ippuc foi praticamente esquecido, tanto que criaram uma Secretaria de Planejamento. Uma cidade que tinha o Ippuc que era visitado por técnicos do mundo inteiro, para que criar uma Secretaria de Planejamento? Houve essa estagnação, e ela não é uma coisa que fica parada. Ela retrocede, cresce. É o que está havendo.
BP – A que o senhor atribui isso?
Coelho – Acho que principalmente razões políticas. Esse processo que Curitiba teve e cresceu durante várias gestões de vários administradores, foi feito sempre totalmente com preocupação voltada para a cidade. E nos últimos tempos, nas últimas duas, três administrações - aliás é notório a nível estadual, municipal e federal – que estão pensando simplesmente na próxima eleição. E com isso a cidade está parada. Outro dia eu falei para alguns amigos que estão trabalhando na cidade: “olha, a cidade está parada já faz tempo”. E neste ano também está parada, como a cidade é um órganismo vivo. Ela respira 24 horas. E não se faz nada. Está-se esperando o que? A Copa? Claro que você também não tem a disponibilidade de técnicos que tinha há tempos atrás. Embora muitos daqueles que participaram daquele período de evolução ainda está por aí. Eu sou um deles. Mas faz muito tempo que eu não sou chamado. Eu gostaria muito. A gente está há disposição, assim como outros colegas.
Espaço público
“Há medo de pensar a cidade mais à longo prazo
Bem Paraná - A gente sente um crescente desejo de ocupação do espaço público em Curitiba, em choque com interesses privados. Houve, por exemplo, o fechamento da Pedreira Paulo Leminski, problemas com o “pré-carnaval”, o réveillon fora de época. Como conciliar esses interesses conflitantes?
Manoel Coelho – O papel da arquitetura seria organizar os espaços públicos para atender esses anseios da sociedade. Agora eu acho que também falta de uma administração da cidade mais segura. É que nem essa coisa da pichação. De um bom tempo para cá a cidade se sente meio, não digo dono, sem cuidado. Sem alguém que tome conta da cidade. A cidade está meio abandonada. É como quando você viaja um mês, e deixa a sua casa fechada, dificilmente vai voltar e achar ela igualzinha. No dia seguinte passa um cara, joga uma pedra e quebra um vidro. E vai até que destrói tudo e não tem ninguém para cuidar disso, não tem um guarda, uma legislação, para organizar isso. Porque a cidade está meio largada. Não tem alguém cuidando. Se você não cuida da sua casa, também vai ficar bagunçada. A cidade é a tua casa em uma escala maior. Eu vi lá o cara do (Bar) do Torto. Faz uma coisa bacana. Incomoda alguém? Tudo bem, senta, conversa. Faz um horário. Como a Pedreira. Nem se fala mais. Houve uma concorrência, alguém ganhou, e não se fala mais. Acho que isso é que falta. Uma administração firme e que a população sinta que está sendo cuidada. Porque cada vez mais a população sente que não tem ninguém olhando, se preocupando.
BP – O administrador hoje tem medo de ousar?
Coelho – Sim. É muito vigiado. Cada vez mais ele tem medo de pensar a cidade mais à longo prazo. O administrador hoje quer fazer obras que ele possa inaugurar antes da próxima eleição. Que ele tenha retorno de votos. Está tudo mais imediatista. Você tem que administrar a cidade pensando no futuro e cuidando do dia a dia. Você não pode cuidar só do dia a dia, nem ficar só no futuro. A dosagem das duas coisas é importante. E isso Curitiba fez durante muito tempo.
Mobilidade
“Uma linha de metrô” não vai resolver
Bem Paraná – Em relação ao metrô, há duas correntes: a que defende a obra como indispensável diante do crescimento da cidade e da necessidade de transporte de alta capacidade; e os críticos, como o Lerner, para quem seria possível fazer muito mais investindo no aperfeiçoamento do sistema já existente, e gastando menos. Qual a sua opinião?
Manoel Coelho – A minha coincide mais ou menos com a do Jaime. Eu acho que essa coisa do metrô, criou-se uma imagem de que é a salvação. Olha para Paris, Londres, mas esquece que aquilo lá tem centenas de anos. É inegável que o metrô, um sistema com linhas no subsolo, independente do tráfego de superfície, é lógico que é muito melhor. Agora parece que temos dados mais concretos, veio o governo federal, veio mais dinheiro. Havia um projeto que pelo pouco que a gente sabia, sabia que era ruim. E agora que o prefeito anunciou que houve uma revisão do projeto, que a linha mudou um pouco. E que o projeto deve iniciar no ano que vem, o primeiro trecho seria para 2016. A pergunta é: e até lá? Isso que eu acho que falta. Até porque uma linha de metrô nunca vai ser completa. Você anda em Paris, Londres, tem os outros componentes do sistema, carro, ciclovias, ônibus. E aqui nunca se falou nisso, só se fala no metrô. É mais uma bandeira de campanha política. As últimas eleições de Curitiba foram ganhas tendo o metrô como bandeira principal e até agora não se vê praticamente nada. Ainda estamos na fase das suposições. E o projeto que tinha, pelo menos foi abortado. Aquela coisa de fazer sobre as canaletas. E o ônibus vai andar aonde enquanto isso?
BP – As manifestações que aconteceram a partir de junho revelaram um grande descontentamento com o transporte público. O que o senhor achou?
Coelho – Eu acho que foi muito legal, muito bacana. Um espetáculo. E deu uma acordada, uma mexida nos governos, em todos os níveis. Mas o que se nota é que os três níveis de governo não deram a resposta que esse pessoal pediu nas ruas. Fizeram algumas enganações, mas estão levando isso no banho maria, em todos os sentidos. Aliás estou achando que isso não vai parar. Que esse pessoal todo está todo está de olho, e que isso vai explodir. Não sei, não sou profeta. Mas acho que no ano que vem nós vamos ter de novo um negócio desses. Porque o clima é mais ou menos bem parecido. A coisa só agravou. A gente vê em todos os níveis a nossa cidade parada. O Estado quebrado, literalmente. Está nos jornais. E a nível federal você vê nossa Petrobrás quebrando. Acho que esse pessoal está atento e os governos não. Sou um pacifista, mas acho que nosso povo é muito acomodado. Quem sabe tenha que ter uma estremecida mesmo, para valer. Se não as coisas não mudam.

cachorro

ah, vou comer um sanduíche de mortadela, ainda tô com fome. Um chocolate quente, um filminho bobo que já vi, na tevê, e assim essa terça com cara de domingo vai passando, quente no sol, sob o céu azul, mas fria na sombra, sob o mesmo céu azul. Minha cidade é assim, ela resiste ao calor. Gosto dela assim. Saio a caminhar, tem parques lindos, ouvindo música ou o som das ruas, conversas de ônibus divididas com todo mundo. 
Ou fico em casa.
Sentada na frente da televisão, sozinha em casa, laptop nas pernas, prometo a mim mesma, outra vez. Cada dia, um.
Volto e o cachorro que mora no ponto de ônibus se aproxima, de canto de olho, até parece que quer sentar ao me lado. Mas, claro que ele não quer. Embora me conheça pouco, sabe que tenho um cachorro também, que ao menor sinal de aproximação começa a latir enfurecidamente. O cachorro magro sabe que no fundo meu cachorro não faria nada, mas respeita o território, não tá interessado em mais problema além dos que já tem. 
Então, ele só aproveita quietinho, acho que na esperança de que sobre algo pra ele.
Ele tem pêlos pretos, brilhantes. 
No início eu achava que ele vinha acompanhar o dono no ponto de ônibus e ficava esperando. Ele vinha no portão, andava um pouco atrás de mim, ou de outra pessoa; se recebesse o mínimo sinal de aprovação, continuava. Uma expressão tranquila e um olhar fundo quase me fazendo congelar, às vezes. Eu entrava no ônibus e sentia ainda por instantes que ele me procurava – do mesmo jeito as vezes que nos encontramos na volta, ele ia até a beira da calçada, me olhava atravessar a rua, no portão eu dava  virava pruma olhadinha e lá tava ele, como que esperando um mínimo sinal de convite pra seguir em frente. 
Tenho que tomar cuidado, porque me entrego logo a estes olhares sedutora e docemente levianos, pedintes. Me entrego à carência dos outros, sem modos, esparramada e desajeitada. 
Mas, meu amigo canino não sabe nada disso. Nem o quanto me bato, me escondo e me arregaço em palavras que jamais encontro.

1/07/2014

duas mulheres loucas

loucas, duas mulheres loucas.
E se ele tivesse uma casinha e se fosse de mashmallow!!!
juro que uma delas eu ouvi falando assim, desconexa com o rosto virado para o muro
num mundo outro que não meu
nunca esqueci e guardei a lembrança num pedaço de papel atrás da lista do mercado da outra mulher louca, nem sei
vai ver era eu mesma
perdida num dia de sol
vagando pelas ruas floridas - porque isso eu lembro havia muitas e muitas flores na calçada um manto que deu vontade passar pela rua pra não pisar nele
mas da outra louca, nada lembro
vai ver era você se fazendo de louca pra não lembrar desse dia...

o abacateiro me abraçou hoje e logo depois ouvi você tocando violão o barulho da colher de pau riscando o fundo da panela e a polenta pulando, formando pequenas e perfeitas bocas de vulcões os pedacinhos da grama cortada grudando na perna e na sala alguém canta uma nova canção.