6/26/2012

rabiscos de qualquer dia


Acordei querendo estar disposta hoje. Mas, a chuva, essa chuva que começou quieta sem que a gente percebesse durante o sono escuro do dia, tomou conta de tudo e deu seu próprio ritmo à vida deste dia. Cai pesada, enquanto no quarto fechado eu olho as madeiras finas do forro do teto, manchadas pelo mofo que cria formas pequenas, ora mais escuras, noutras mais claras. Choveu tanto que divido o já pequeno espaço que sobra entre a cama e o guarda-roupa com baldes e bacias que não protegem o velho taco dos pingos que, por sua vez, não respeitam as telhas e escapam pra dentro do quarto, ainda com cheiro de sexo e janelas fechadas. Olho para ele que não dorme ao meu lado – mas mantém o travesseiro cobrindo parte do rosto. É quase meio-dia. Eu tento escrever mais uma vez!

Mas, é tanta confusão!

Você, por exemplo. Mas sobre você não quero escrever. Hoje, não! Não, agora!
Eles. Mas, eles são tantos e tão importantes. E, também, são tão sem importância. É por todos esses não seis dentro de mim que vivo sem rumo. Não sou eu, no final das contas. São as lembranças. Apenas elas, sempre, que me tumultuam. E embora tenham um sentido dentro de mim, escapam dos argumentos todo o tempo. E quando escapam levam também as histórias.
Mas hoje decidi abrir aquela caixa branca. Empurrada, procurei uma história para contar. Uma só – é o que preciso agora. Do começo. Ao fim. Construindo um meio com meias verdades não vividas. E tem as mentiras, carinhosamente saboreadas em pequenas doses falseadas diariamente. 

Uma história – pode até ser uma que você já contou. Ou tentou, ao menos. Ela abre a caixa branca e vira... eu. Nem ela, nem eu. Só uma lembrança, quase apagada. Nem as fotos estão ali.Só as letras, dedicadas e redondas. Letras de crianças. Que sabiam de tudo.

Vasculho todos os cantos, os poros abertos atrás das marcas. O primeiro amor, que brotou do primeiro amigo. Dalto s. A letra dele, irregular, mas melhor que a minha, me joga pra dentro de memórias que não sei se ele guardou. Seriam elas, para ele, lembranças que não valem nada? Será mesmo que chegaram a existir? Nem isso, talvez. Mas, pra mim, são como as páginas de um livro de capa dura que trazem de volta bonecas coloridas e espigas de milho. Ele usava óculos. Será que foi aí que comecei a ligar o objeto a pessoas inteligentes?!!?
Foi uma das primeiras conclusões que lembro ter tirado.
Lembro também que muito cedo me dei conta que jamais amaria alguém plenamente – se é que isso existe. Hoje é tudo confuso, mas ás vezes lembro destas percepções prematuras e incompreensíveis. Mas, incrível, lembro até que estava no alto do morro barrento que levava à escola. Não tinha geada, então não era inverno. Tinha brigado, de novo, com minha melhor amiga, e fui acometida por uma sensação estranha de ter uma certeza estarrecedora: a impossibilidade, tão cristalina naquele momento, da entrega total a alguém. Era certo pra mim que jamais amaria alguém plenamente, acima de tudo – e colocava nesse baú o amor por todas as pessoas, não aquele outro. Parecia, não sei, que isso tinha a ver com as partidas e despedidas que eu já pressentia nunca saem da gente.

Mas, contudo, eu achei que o amava. O primeiro amigo. E era um amor tão puro – tanto que nem amor era! E tão distante, como sempre me pareceriam todos os (poucos) amores que tive depois. Um amor amado em segredo, que era sem ser. Só depois percebi que não era o amor que eu pensei. Ele nem soube do meu amor que não era. Todos os outros sabiam. E caçoavam da pequena enamorada. Todo dia, subíamos o morro e era exigência dela esperar por ele em frente ao bangalô verde musgo.

Foi ele quem me conquistou. Quando me pegou pela mão e chamou pra brincar. Do calor daquela mão pequena não lembro. Mas lembro como hoje que o meu choro calou e todo aquele estarrecedor medo de ficar ali foi embora na mesma hora. Fui, de mãos dadas com ele, entre outras crianças e brinquedos, e sob dois sorrisos carinhosos, da professora e da tia.

E foi assim que há muitos e muitos anos eu dei meus segundos primeiros passos. De mãos dadas com meu primeiro amiguinho de escola, que pensei ser meu primeiro amor, aos seis anos de idade. Ele foi a primeira pessoa estranha que me conquistou!

Um comentário:

Lu Raitani disse...

Vai virar letra de musica... e eh ja!!!