9/17/2010

O primeiro dia do resto da minha vida

“O amor é muito mais do que cabem nessas convenções. O amor é sempre muito mais;.
É amar sem querer mais que amar simplesmente, simplesmente amar esse amar sem querer”

O dia começou como todos os dias. Mas, ontem e hoje, são dias diferentes. Ontem, uma pessoa muito especial partiu. Hoje é o primeiro dia do resto da minha vida, sem a presença dessa pessoa. O antes dele, pra mim, é algo abstrato, algo que sei pelos relatos dos meus pais. é história dos meus ancestrais. Sobre o depois... o que já sei é que vai ser cheio de saudade. Mas não de tristezas, e sim de falta.

Vôino, seu Aquaelino Perin, foi a luz mais forte desses meus 39 anos e 11 meses. Meu avô morreu ontem, 16 de setembro, na primeira hora do dia, noite fechada ainda, quando um dos silêncios mais incríveis, o da madrugada, é o único que ouve nossas confissões. E a ligação de telefone que tanto temia chegou, cortando esse silêncio do meu sono profundo.

Ontem, encerrou-se um ciclo em minha vida. De uma certa forma, o primeiro grande ciclo. Uma metade já foi. Acordei hoje e passei em frente à pracinha ao lado de casa onde fizemos a roda de capoeira do meu aniversário de 39 anos e lembrei dele. Sorri. Ao som de Darma Lovers.

“Ao invés do amor separar se expandiu
E o que não parecia empoçar virou rio
Que não vai separar e nada lamenta e vem
Nos lembrar que a mudança vem pro nosso bem
Bem que havia uma certa agonia, incerteza
De não querer mais de jeito algum se perder de vez
Mas dai veio tudo ao seu tempo mais certo
Veio a chuva limpando a estrada e o céu se esclareceu
Pois então a gente relaxa e decide tomar de vez a direção
Dai tudo se encaixa e encontra um sentido
Nada mais que a chance brilhante de ser, estar simplesmente
Indo em frente com isso em que eu acredito”


Aquele 24 de outubro de 2009 foi o último dia que o vi bem mesmo, rindo, feliz, curtindo e com seus lindos olhos azuis reluzindo diante do belo espetáculo de movimentos e de música. Foi meu presente.

Ontem ajudei a carregar o caixão do meu Vôino. E o entreguei de volta aos braços de seu grande amor. Ele me contou em uma de nossas últimas conversas, que quando fechava os olhos sentia alguém com a cabeça recostada em seu braço, dormindo, mas que quando ele abria os olhos para vê-la, já não estava mais lá... Me agarro a isso para que essa falta não me impeça de viver bem os dias que virão. Me agarro nas canções, nas lembranças e nas lições de vida que ele sempre me deu, mesmo sem querer.
No ônibus, indo pro trampo, olho tudo com olhos diferentes. Acho que quero guardar o olhar do Vôino em mim, para sempre conseguir ver a beleza dos dias. E também para saber a hora certa da indignação diante das sacanagens dessa vida e para saber lutar por algo que vale uma batalha. Do jeito que o vi tantas vezes fazer, não sem perceber, estou certa, meus olhinhos de criança assustados pelos riscos que ele corria. Aprendi a ser assim como vocês sabem que sou, briguentinha até na defesa do que acredito, com ele.

E espero que tenha ficado em mim, para usar na hora certa, também, um pouquinho da sabedoria dele para perceber que a vida abre seus próprios caminhos, tantas vezes, diferente do que pensamos. Me pego pensando que no final das contas, no meio de todo esse turbilhão de dor, saudade, não me sinto assim tão derrubada. E sei que essa tranqüilidade que sinto no fundo da tristeza, vem dele. Meu guia, meu mestre.
Parece que ele conseguiu de algum jeito acalmar meu coração e trazer pra dentro de mim (como dele) a serenidade de saber que ele está bem agora. Ele queria assim e não ficar sofrendo, vendo sua vida ir embora.

Se deixei um tanto de mim lá em Curitibanos, com ele e com a Vóina, naquele túmulo frio, naquelas ruas empoeiradas, também sei que trago comigo o melhor deles. Chorar e sentir falta é inevitável. E a saudade não acaba nunca. Mas, esses dois me ensinaram muito do que sou. Sigo, portanto, tentando “ser tudo que essa vida permite”. Vôino descanse em paz. Foram incríveis 80 anos. Não seríamos o que somos sem você! Eu não seria nem uma “Perin”.

Quando então a minha morte chegar
Me abraçar como uma mãe abraça um filho
Quero poder só sorrir e dizer, foi tudo bem eu também vou tranquilo
Quando a mente se desvincular
Dessa forma aparente ilusória
Quero poder lhe cantar ao partir
Sim, foi bom mas chegou sua hora
Dona Morte
Quando o espaço sem fim então me tragar
Que eu vá feliz sem arrependimento
Sem entender já sem querer olhar pra trás
Só mergulhado na imensidão do momento
Quando seu corpo já não me encontrar
No que fui durante muito tempo
Fique feliz e apesar da saudade
Pois logo mais talvez nós nos veremos
Dona morte
Não tenha pressa!
Estou treinando pra poder sair
Sem tropeços no final da festa
Dona morte”
Não tenho medo!
Se compreendo que a sua natureza,
É tão igual a essa que carrego em segredo


2 comentários:

Ivan disse...

esse é um dos problemas de envelhecer. perder as pessoas que vc gosta. mas só acontece com quem viveu. e uma vida plena é mais do que pode se esperar desse nossa passagem por aqui.

Tina Lopes disse...

Quando meu pai morreu, um amigo - o mais antigo e íntimo, meu e do E., que nos apresentou inclusive - comentou "É, cara, começou essa droga de vida adulta". Sinto muito, Adri. Beijo.