4/10/2010

cheiro de mato

Não esperava isso hoje. Uma canção. Uma canção do passado. São tantos os discos que passaram por mim e mesmo os que ficaram pra valer às vezes ficam quietos, lá no meio das lembranças especiais que a gente não lembra mas também não esquece. Aí, volta e meia, o Ivan coloca um desses pra tocar... é aquela avalanche. O de hoje foi Verdura, do Blindagem, por razões óbvias.
E de repente eu tava lá. No meio da visão embaçada estava de volta à Casa Verde, uma república estudantil de garotas nas redondezas da UEPG, em Ponta Grossa, no último ano e meio da década de 80. Na garagem da casa antiga morava o Ivan e aquele lugar é uma referência pra nossa turma, um marco: a garagem da casa verde.
oltei pra lá num dia de sol, as portas grandes abertas, o vento solto e o som alto se espalhando pelo terreno todo e indo pra vizinhança próxima. A gente por ali.
Uma sensação de braços abertos se entregando ao vento, bem como me senti algumas vezes fazendo aquele mesmo caminho em direção a minha república, ou indo pra alguma festa, mesmo com o ar gelado ressecando minha boca e me atravessando. Incrível o que a lembrança da gente é capaz de fazer com a ajuda da música.

“Não posso ver sangue/Fico logo vermelho/ Querendo chorar/Não, não posso ver sangue/Fico logo vermelho/Querendo chupar”

Um silêncio estrondoso explodiu segundos depois num soluço seco, quase inexplicável, de um instante pro outro, derrubando com o susto o caderno de jornal que eu lia.
“Não posso ver água, poço, rio, mar/Eu já começo a tirar a roupa/Louco pra mergulhar/ Não posso ver ninguém/Que eu já quero, que eu já quero namorar/”

Entrou aquela melodia que eu conhecia tão bem e não lembrava. E por perto tava também o Eglerson Alan, o amigo que dividiu o fundo (com “cascata natural de chuva”) da garagem, por um tempo. Foi com ele a primeira banda, Flor de Cactus. Não tinha me tocado, mas deve ter sido também a primeira banda que vi tão de perto assim, ensaiando e tal. O Eglerson Alan e seu sorriso aberto. (eu era a única que insistia em chamá-lo pelos dois nomes, ficou tão gravado que acho que se no meio de um povareu ele ouvir alguém chamá-lo assim, é capaz de saber que aquela baixinha ta por perto). Grande cara. Com ele não tinha tempo ruim e tomava porres homéricos e voltava pra casa carregando placas recolhidas da rua. Quase pude ouvi-lo novamente tocando e cantando...
(...) Aí entra o Ivan, saindo do trabalho olhos também avermelhados por suas próprias lembranças que também se revolveram. Só me olha, não diz nada e dá a volta. Ouvimos a música terminar sem palavras.

Quem precisa de palavras quando tem uma canção?

- Puxa vida, balbucio e um soluço baixo, esquisito, ainda escapa junto com a certeza de que na cabeça de nós dois o tempo retrocedeu. Em mim foi uma confusão e eu quase sempre traduzo isso em choro, mas nem sempre a lembranças brotam assim aos borbotões.

“Quando me lembro/ do cheiro do mato/da beira da estrada/de comer pinhão
Lembro do amor/de uma árvore/sem esperar/para ver nascer a flor...”
- ... essa também é...
novamente a música rouba as palavras da tentativa de explicar, comentar algo.

“E vou seguindo/ caminhado, me espalhando/tirando poeira do meu coração
eu vou, eu vou sem olhar para trás/ eu quero ir embora/antes de parar/E vou seguindo
caminhado, me espalhando/tirando poeira do meu coração/eu vou, eu vou sem olhar para trás/eu quero ir embora/antes de parar”

- incrível como este disco parece uma coletânea e não o primeiro disco de uma banda - comenta ele; eu continuo sem conseguir falar.
(...)
- uma boa pauta, contar a história desse disco. é um clássico. Vai fazer trinta anos.
- um bom projeto, um show. Será que eles têm algo em vista – digo, voltando.
- acho que sim, já falaram sobre isso e o Ivo mesmo disse que eles têm que continuar.
- Pô, taí: esse é um projeto que eu gostaria de participar.
Os jornalistas retomaram o controle da situação. Ao menos por agora. (adriperin)

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